sábado, 12 de fevereiro de 2011

Fim de papo? Parte I


A conversa é a base das nossas relações. Mas em tempos em que a velocidade das coisas nos domina, em que a tecnologia monopoliza nossas formas de comunicação e em que os textos têm pouco mais de 100 caracteres, como fica o bom e velho diálogo?

Oi, tudo bem? Você está muito ocupado agora? Queria ver se tem alguns minutos porque eu gostaria de ter uma conversa com você... Pode ser? Então senta aí, fica confortável. O papo é sério, mas acho que te interessa muito também. Bom, melhor falar logo de uma vez, né?! Sem rodeios, sem firulas... O que eu tenho para dizer – e espero que você não me leve a mal – é que nossa relação está um pouco desgastada. E, quando falo “nossa relação”, não falo só da gente, eu e você, não. Porque, afinal, nem nos conhecemos há tanto tempo assim, né (faz pouco mais de três anos que eu tenho frequentado as páginas da VIDA SIMPLES e cruzado com você em uma ou outra edição). A “nossa relação” que eu digo é a relação interpessoal, os relacionamentos humanos. E esse desgaste tem a ver – e é isso que eu estou tentando dizer desde o começo – com uma crise na nossa comunicação, na nossa dificuldade de dialogar com as pessoas. Pode reparar: vivemos em um mundo em que os povos não se entendem, em que dentro de casa as pessoas perderam a interação, em que colegas de trabalho não conversam sobre as tarefas do escritório e até as relações diplomáticas estão afetadas pela carência de uma melhor comunicação. Enfim, está faltando diálogo!
E, como para nos relacionarmos precisamos conversar com as pessoas e nos fazer entender, essa falta de diálogo está atrapalhando nossos relacionamentos. Afinal, nosso bemestar e nossa felicidade dependem de nós, mas também das pessoas com as quais nos relacionamos e com o mundo em que vivemos. E o diálogo que estabelecemos com esse mundo e com essas pessoas é imprescindível para nossa qualidade de vida. Quando bem-sucedidos, os diálogos nos trazem o entendimento, a compreensão, a troca e a paz de espírito que tanto buscamos. E é sobre essa questão que eu vou falar aqui, na esperança de que isso interesse, entretenha e beneficie você, leitor – que é meu interlocutor nesta conversa que estamos tendo implicitamente, mesmo que você só possa me responder de forma silenciosa. Claro que você não precisa concordar com tudo o que eu disser, mas, só de ouvir o que eu tenho para falar, já tenho certeza de que nossa conversa vai valer a pena.

Sinal de evoluçãoA verdade é que as pessoas têm uma necessidade enorme de se comunicar, de conversar. Falar é uma necessidade orgânica dos seres humanos – das tribos africanas aos palácios ingleses. E essa interação que o diálogo nos propicia é uma característica exclusivamente humana. Outros animais até se comunicam, mas conversar, trocar ideia, isso só nós podemos. Cientistas do comportamento teorizam que passamos 80% das nossas vidas na companhia de outras pessoas e entre seis e 12 horas todos os dias falando com elas. É um tempo considerável, não?
Segundo alguns deles defendem, foi a aquisição da linguagem, aliás, que determinou uma série de avanços para os seres humanos, como a organização da sociedade e o desenvolvimento da nossa capacidade de pensar. “Os homens, unidos com o intuito de se proteger melhor das circunstâncias adversas e resolver suas necessidades, estreitaram seus elos graças à constituição de uma linguagem comum”, diz o psicoterapeuta Flávio Gikovate. Só evoluímos por causa da nossa capacidade de nos comunicarmos – e não o contrário. A linguagem, aliás, antecedeu ao pensamento. Foi o esforço para comunicar palavras que desenvolveu nosso cérebro de tal forma que começamos a pensar. Afinal, precisamos pensar para falar (pelo menos, na maioria das vezes) e nosso empenho para que a outra pessoa nos entenda através de ideias claras também ajuda nosso próprio entendimento. Quando você explica alguma coisa para alguém, você mesmo acaba entendendo melhor o que disse, já que precisa organizar os pensamentos e sentimentos (e não é esse, afinal, o princípio básico da terapia? Dizer a seu terapeuta para dizer a si mesmo?).
Antes mesmo da capacidade de falar, nossos ancestrais já se comunicavam pelos gestos e pelas expressões faciais que faziam parte de seu vocabulário não-verbal. “Ainda hoje o contato físico é a primeira linguagem que aprendemos”, diz Dacher Keltner, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e autor de Born to Be Good: The Science of a Meaningful Life (“Nascido para ser bom: A ciência de uma vida significativa”, sem edição em português). “E ele continua sendo nosso meio mais rico de expressão emocional.” Keltner liderou estudos sobre essa forma de interação pelo tato e descobriu que ela é capaz de comunicar uma gama ainda mais ampla de emoções que os gestos e com mais rapidez e precisão que as palavras.Hoje, vivemos numa sociedade que dá um peso enorme para as palavras. E, numa época em que nos comunicamos quase que exclusivamente através delas (em e-mails, mensagens de texto, redes sociais), não percebemos que elas não conseguem sustentar uma conversa sozinhas. É claro que as palavras são capazes de revoluções, de mudar os rumos do mundo, de escrever histórias, de narrar sentimentos... Mas não bastam para uma conversa franca.

Quer ler mais ...Trecho extraído da revista Vida Simples
http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/092/grandes_temas/conteudo_552962.shtml